terça-feira, 1 de outubro de 2013
Pensando alto
As aeromoças sabem de algo que não sabemos. E nos olham como quem diz: você não tem ideia.
domingo, 22 de setembro de 2013
Um amor que se põe
O céu ostenta uma nuvem de fogo. Uma gorda e fofa brasa disfarçanndo o sol sobre um azul opaco de fim de tarde. Volto para casa depois de mais uma viagem. Desta vez, deixei alguma coisa por lá. Talvez a esperança de uma ilusão que se dissolveu pelo caminho.
Preciso chorar por isso tudo. Tenho chorado a prestação, em pequenos momentos de delicadeza que me remetem ao que sonhei para nós. A música do comercial das bolas, que girava em looping no seu notebook durante aquela noite em que nos encantamos um com o outro.
Junto com uma sensação de fracasso, ficaram muitas interrogações, a maioria delas vindas de perguntas que você mesmo nunca quis se fazer. Devolvo aqui cada uma delas.
Lembro de um encontro simples e natural entre duas pessoas dispostas a seguir juntas, não importava o que acontecesse. Lembro de noites em claro em que muitos segredos foram revelados, confissões feitas e acolhidas por corações abertos e limpos. Lembro de medos postos na mesa, planos traçados e uma família sendo delicadamente construída com tudo o que tínhamos recolhido – de bom e de ruim – pelo caminho. Lembro dos seus olhos verdes me olhando vivos como sempre, ávidos por tudo o que eu tinha para lhe dar. Lembro de noites maldormidas em uma cama não tão grande, como se adormecer fosse a ameaça de perder de vista a descoberta preciosa que havíamos feito. Nós tínhamos nos encontrado. E o trato de seguir de mãos dadas foi espontâneo, esperado, comemorado, comovente.
Lembro de uma sensação de proteção com a qual há muito tempo eu não sonhava.
Não tive dúvidas: era com você que eu queria ir. Eu sabia que não seria fácil nem simples. Mas cada vez que você tomava a minha mão eu sentia que valia a pena ir naquela direção. Fui inteira, de mala, cuia e filho, sem me importar em deixar reservas para uma possível mudança de planos.
Você não precisou ir. Apenas ficou. Você, que se planeja. Reserva para o futuro. Você, que poupa dinheiro, palavras, fúria, noites de sono. Poupa a si mesmo para o que pode faltar mais adiante. Você prefere viver na companhia do medo – é a ele que você verdadeiramente se entrega. Eu, não. Eu não guardo nada. Nem dinheiro, nem raiva, nem palavras, nem segredos.
Como escrevo essa carta para não deixar nem mesmo palavras não ditas.
Gosto da sensação de ter sido lapidada pelas pessoas. Com um ex-namorado aprendi a dirigir mais suave, com uma amiga aprendi o prazer de um café, com meu pai aprendi o humor, com minha mãe a alegria. Você me ensinou muitas coisas e eu estive disposta a aprender.
Você não via em mim nada para somar. Eu sou muito brava, perco a paciência fácil, digo o que penso sem calcular. E a intensidade dessa fúria é a mesma que alimenta um amor que luta muito e não desiste fácil. Sou furiosa para confessar o que me incomoda, tanto quanto para lutar pelo amor em que acredito.
Você se preserva, não sei exatamente por quê, mas o fato é que se guarda muito, se guarda inteiro. Para não lhe faltar. E por muitas vezes você não disse o que sentia, o que pensava, preferiu se controlar para não machucar. Com algum fato ou alguém você aprendeu que é feio se mostrar, sentir raiva, levantar a voz, ser humano e falível, como se evitar desrespeitar o outro justificasse desrespeitar-se a si mesmo.
Já eu aprendi que respeito anda lado a lado com a palavra mútuo, e peitei as leis da polidez. Aprendi que deixar escapar minha fúria pode ser um grande sinal de amor. Despir-se diante do outro é entrega. Aprendi que aceitar os meus defeitos é antes de tudo não escondê-los. Nem de mim, nem de ninguém.
Sou falível, sim. Sou bicho, às vezes. E é isso que me deixa ser gente, e não robô. Não sorrio o tempo todo, não falo baixo e comedida por mais tempo do que aguento. E é esse ser falível e factível que amou você. Amou muito.
E me mostrei. E pedi que você não desistisse de mim. E quis ajudar você a sair da sua casca, a se conhecer melhor, a entender o que realmente deseja e a lutar por isso.
Você desistiu muito rápido, muito cedo, muitas vezes. Diante de qualquer dificuldade, você preferia desistir. Desistir de mim ou de si mesmo? E, como quem acaba o jantar e pede a conta, logo estava na hora de ir embora.
Eu não era como você imaginava. Talvez tenha lhe faltado a lição de que ninguém que ainda não conhecemos é como imaginamos, ninguém mesmo, pois a imaginação é muito sem imaginação – a realidade é bem mais criativa.
O amor tira cada um dos parceiros do seu lugar para que cresçam e se tornem melhores.
Então chegamos a um ponto: sua vaidade. Essa, que vem te matando aos poucos. E vaidade não é o mesmo que autoestima, muito pelo contrário. Vaidade é o que as pessoas colocam no lugar vago da autoestima.
Você não está disposto a mudar nada – mudar é muito arriscado, não é mesmo? Você não sabe amar. Diz "eu te amo" sem ter a menor ideia do que isso significa.
Sua calma nada mais é que a falta de alma. Algo ou alguém ou episódios do passado fizeram de você uma ilha. Uma ilha deserta, não habitável, sem verde nem água nem vida.
Sim, você me deu muito. Mas se esqueceu de me dar o mais precioso: o coração. Talvez tenha até tentado, mas não se pode dar o que não se tem.
Amar é bom, aquece o corpo, me faz sentir viva, me altera, me tira do lugar, me muda para melhor. Mas você não se acredita, não se enxerga, não se sente, não se mistura, não vive.
Seus abraços são poucos e parcos. Seus passos são apenas em sua própria direção. Que pena que alguém lhe tirou a alma tão cedo e te fez esse fantasma vagando sem rumo e sem amor. Você se ocupa das telas da TV e do videogame para não pensar no vazio que lhe invade dia e noite.
Amo alguém que não existe, que talvez nunca tenha existido, e preciso me despedir. Não quero outra solidão para acompanhar a minha. Deixe-me só com ela, que tem muito a me nutrir.
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
quarta-feira, 4 de setembro de 2013
Desalegria
Um dia, finalmente, ele confessou ter ciúmes da tatuagem dela. Alegria, era o que dizia na pele. Alegria antiga, que falava de outro amor — que não foi embora sem antes semear a alegria nela. O que ele sentia diante disso era palavra feia e triste. Tanto, que tudo fez para roubar sua alegria. Depois foi embora, deixando nada para trás, imaginando que levava consigo a alegria dela. Levou foi uma tristeza na alma. Tristeza fácil de espalhar, que cresce e multiplica feito praga. Mas bastou um tempo para a alegria dela acender de novo, maior e mais forte. Estava na pele. Na alma. E o que ele sente hoje é um vazio por não ter cultivado a sua. E o que ela sente por ele é compaixão.
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
Em companhia do vinho
Acendi um cigarro, enchi uma taça de vinho e me sentei na poltrona da varanda. Busquei um disco antigo, sentindo falta de mim. Deixei vir as dores passadas, sem saber de onde vinham. Sorvi o cigarro inteiro em busca do que deixei pelo caminho. A
melodia me contou uma intensidade que eu já desconhecia. E acordei de um
anestésico de longa duração, como se o tempo em busca da sobrevivência tivesse
me enterrado junto com os que já foram. Zumbi de mim mesma, busquei num espelho
quebrado a imagem do que já fui. No
cinzeiro, catei os restos do que sonhei. Andei apressando o
tempo para não pensar. De novo você, melancolia. Gosto do seus fonemas. Por que fugir de mim mesma se eu me faço boa companhia?
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Oração ao Tempo
Tudo o que lhe peço, Tempo, é que me salve do meu coração. Dessa entrega absurda de ir até o outro e me deixar sem mim. O que lhe peço, Tempo, é o caminho do meio. Aprender a receber antes de me entregar. Ver além. Peço que me devolva a mim mesma. Que eu me reconheça e me acolha. Me aqueça em meus buracos escuros e definitivamente me toque. Que eu saiba cuidar somente do que me cabe. E deixe ir. E deixe vir. Natural, inteira e suavemente. Que a vida me encontre distraída, sem a ânsia de buscar o que não sei. O que não vale. O que não é. O que lhe peço, Tempo, é a aceitação do tempo e da vida como ela é. Sei que ela me aguarda plena e legítima. Mostre a ela o caminho até mim. Enquanto isso, me adormeça em paz até que a verdade me alcance como um beijo. Tire de mim essa ânsia de ser feliz, inverta a ordem das coisas e assopre no ouvido da alegria o momento de me capturar sem volta. Que eu me aquiete na paz do merecimento, sem dar um passo ou um pio. Que apenas contemple. Que eu resista à tentação de correr para o que ainda não está pronto. Que eu me apronte para a surpresa de um dia simples. Que eu acorde como quem nasce. Amém.
sábado, 18 de maio de 2013
A dose
Ela abre um espumante barato e brinda sozinha à volta da solidão. Não aquela que dói e fere, mas a solitude escolhida, que lhe abre um espaço macio para ser. Ao primeiro gole, percebe: o espumante é demi sec. Um equívoco para ilustrar a vida. O gole doce na taça rasa antiga de cristal azul que foi da mãe.
Repetições?
Tudo o que ela quer é voltar a tomar posse de si. Ser dona dos seus desejos de novo. Quais eram eles? – não se lembra.
Não é ruptura, é reencontro.
Desde que se tornou mãe. Desde que tomou posse da dor. Desde que se pôs na estrada. Desde quando?
Onde ela caminha nessa pista?
Há espaço para ultrapassar?
Para onde vai?
Larga o carro e segue a pé para não levar mais peso consigo?
Em alguns momentos ela só quer aumentar o volume do som e cantar bem alto, com o vento nos cabelos. Em outros, quer ter o privilégio de não guiar o carro, com a certeza de ainda assim estar indo.
Ela se entrega demais, se entrega muito, inteira, não sobra nada para si. Nem sabe mais como é a sua voz. Ela sai de si ao encontro do outro e deixa sua cama e sua casa vazias, sem o calor da sua presença. E depois cobra do outro o que lhe falta. Mas foi ela mesma que se tomou de si.
E então ela dança sozinha pela sala e sente o corpo como há muito tempo, com saudade de quem foi.
Para depois dar mais uma gole da bebida doce e amargar o gosto da escolha.
Exagerou na dose e a ressaca é toda sua.
Repetições?
Tudo o que ela quer é voltar a tomar posse de si. Ser dona dos seus desejos de novo. Quais eram eles? – não se lembra.
Não é ruptura, é reencontro.
Desde que se tornou mãe. Desde que tomou posse da dor. Desde que se pôs na estrada. Desde quando?
Onde ela caminha nessa pista?
Há espaço para ultrapassar?
Para onde vai?
Larga o carro e segue a pé para não levar mais peso consigo?
Em alguns momentos ela só quer aumentar o volume do som e cantar bem alto, com o vento nos cabelos. Em outros, quer ter o privilégio de não guiar o carro, com a certeza de ainda assim estar indo.
Ela se entrega demais, se entrega muito, inteira, não sobra nada para si. Nem sabe mais como é a sua voz. Ela sai de si ao encontro do outro e deixa sua cama e sua casa vazias, sem o calor da sua presença. E depois cobra do outro o que lhe falta. Mas foi ela mesma que se tomou de si.
E então ela dança sozinha pela sala e sente o corpo como há muito tempo, com saudade de quem foi.
Para depois dar mais uma gole da bebida doce e amargar o gosto da escolha.
Exagerou na dose e a ressaca é toda sua.
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