Da janela do carro, vejo muitas vidas que passo a imaginar. Invento para elas profissões, nomes, filhos e acasos. Legendo as falas e crio novos diálogos. O aparelho de som do carro faz a trilha sonora dos filmes que crio, com cortes rápidos e uma profusão de personagens.
Da janela de casa, a ilusão de segurança entra em mim, encontrando abertas todas as portas. Pela fresta entra um resto de medo e escapam alguns sonhos.
Do alto do arranha-céus, minha janela é observatório de formigas. Da janelinha do avião, anseio pela aterrissagem enquanto atravesso o mar de algodão. Nos quadradinhos do trem, a velocidade pinta quadros cor de paisagem.
Dos meus olhos, janela de mim, vejo um mundo que é só meu. Janelinhas mínimas para tudo ver. De vez em quando encontro outras janelas que só me veem a mim. Uma janela contempla a outra e dali podem vir relatos, abraços e convites para um café. Curiosas sobre as outras janelas, as nossas estão sempre enganadas.
Janela. Para o jardim da praça. Para a casa do vizinho. Para a alma do amigo. Para emoldurar a vida, criando romances de bobos fatos.
Janela de inventar histórias. Câmera que não enquadra: os objetos é que escolhem como se enquadrar. Janela de sonhar. Ou de jogar sonhos pela janela.
A TV é janela tecnológica. Mudo a paisagem constantemente – e não me contento com nenhuma delas. No computador, abre-se a janela para um mundo sem fim. Um país de maravilhas que nos aprisiona pequenos, angustiados como coelhos sempre atrasados. Fechamos o notebook, exaustos, para finalmente enxergar a simples janela de abrir.
Da janela pra fora, desejo de liberdade. Da janela pra dentro, a história do vizinho em quadrinhos.
As ideias que me vêm são janelas floridas. No papel viram portas. Entro para ver o que há.
Apaixonada, observo a janela do outro, que me dispara o coração e me atiça a curiosidade. Mas se sou eu a paixão do outro, do meu parapeito eu o assisto a me fazer serenata.
A vida é uma sequência de janelas e portas, janelas e portas, sonho e realidade.
Paixão é janela. Amor é porta. Decote e nudez. Namoro e casamento. Gravidez e filho. Preconceito e conceito. Janelas e portas, janelas e portas. O segredo é entrar e criar novas janelas, emoldurar outras cenas, fazer das verdades sonhos enjanelados.
Para que a vida, parede branca, tenha sempre novos quadros para contemplar.
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Lindo! Nem há o que comentar. Quando leio um texto assim, penso no quanto poderia ser eu a tê-lo escrito.
ResponderEliminarBeijo!
(Cris, vc tem conhecimento das letrinhas de verificação que aparecem abaixo dos comentários? Há uma corrente contra elas, realmente são muito chatas e não são necessárias, se seu blog detecta spams. Delete-as, isso espanta muita gente, sabia? (postei há alguns dias sobre isto e foi unanimidade a torcida para retirá-las. Mesmo que toda unanimidade seja burra, como pensou Nelson Rodrigues. rsrs)
Tb não gosto de letrinhas e muitas vezes não comento porque são chatas.
ResponderEliminarMas eu tirei as letrinhas, gente. Atendi ao pedido! Verifiquem se está ok, por favor!
ResponderEliminarCris, comprei o teu livro há muito tempo, acompanho teu blog há muito tempo e não me recordo de vir aqui comentar
ResponderEliminarQuero te dizer que tens um dom da escrita dado por Deus e que tuas palavras tocam demais. Eu vejo simplicidade, aquela simplicidade que a gente perde quando emburrece ( leia: amadurece)
Muitas vezes e por muitos momentos, senti o que você sentiu.
Eu tenho um filho, tive ele com 18 anos. O pai dele não morreu,ao contrário, vive muito bem longe de nós.
Visita o filho quando pode, ajuda financeiramente mas não convive, não sabe o que é a felicidade de ver o sorriso do filho ao ir buscar na escola.
E por tanto tempo eu pensava: Quem dera ele estivesse morto, assim poderia dar alguma justificativa porque o pai dele é tão distante.
Então, de uma forma ou de outra eu entendo. Entendi a dor da perda e entendo quando você fala de quão lindo e difícil é criar um filho.
E mais ainda: Me inspirei na tua força pra levantar a poeira e dar a volta por cima.
Desejo que a tua vida com o Cisco,tenha um futuro mais lindo e brilhante quanto as tuas palavras.
Feliz dele que teve uma mãe poeta :)
Impecável!
ResponderEliminarCris! Preconceito é conceito?
ResponderEliminarNão!
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