segunda-feira, 19 de março de 2012

Janelas

Da janela do carro, vejo muitas vidas que passo a imaginar. Invento para elas profissões, nomes, filhos e acasos. Legendo as falas e crio novos diálogos. O aparelho de som do carro faz a trilha sonora dos filmes que crio, com cortes rápidos e uma profusão de personagens.

Da janela de casa, a ilusão de segurança entra em mim, encontrando abertas todas as portas. Pela fresta entra um resto de medo e escapam alguns sonhos.

Do alto do arranha-céus, minha janela é observatório de formigas. Da janelinha do avião, anseio pela aterrissagem enquanto atravesso o mar de algodão. Nos quadradinhos do trem, a velocidade pinta quadros cor de paisagem.

Dos meus olhos, janela de mim, vejo um mundo que é só meu. Janelinhas mínimas para tudo ver. De vez em quando encontro outras janelas que só me veem a mim. Uma janela contempla a outra e dali podem vir relatos, abraços e convites para um café. Curiosas sobre as outras janelas, as nossas estão sempre enganadas.

Janela. Para o jardim da praça. Para a casa do vizinho. Para a alma do amigo. Para emoldurar a vida, criando romances de bobos fatos.

Janela de inventar histórias. Câmera que não enquadra: os objetos é que escolhem como se enquadrar. Janela de sonhar. Ou de jogar sonhos pela janela.

A TV é janela tecnológica. Mudo a paisagem constantemente – e não me contento com nenhuma delas. No computador, abre-se a janela para um mundo sem fim. Um país de maravilhas que nos aprisiona pequenos, angustiados como coelhos sempre atrasados. Fechamos o notebook, exaustos, para finalmente enxergar a simples janela de abrir.

Da janela pra fora, desejo de liberdade. Da janela pra dentro, a história do vizinho em quadrinhos.

As ideias que me vêm são janelas floridas. No papel viram portas. Entro para ver o que há.

Apaixonada, observo a janela do outro, que me dispara o coração e me atiça a curiosidade. Mas se sou eu a paixão do outro, do meu parapeito eu o assisto a me fazer serenata.

A vida é uma sequência de janelas e portas, janelas e portas, sonho e realidade.

Paixão é janela. Amor é porta. Decote e nudez. Namoro e casamento. Gravidez e filho. Preconceito e conceito. Janelas e portas, janelas e portas. O segredo é entrar e criar novas janelas, emoldurar outras cenas, fazer das verdades sonhos enjanelados.

Para que a vida, parede branca, tenha sempre novos quadros para contemplar.