sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Do pretérito.

Engordar com ela. Este era o desejo dele, confesso num impulso em que a boca fora mais rápida que a censura. Engordar com ela. "E o meu amor engordaria junto", pensou, secreta e lisonjeada pela fala inédita - mais ainda que pelo amor. Pensamento bobo, que no meio do futuro enfiou um pretérito, um jeito tonto de não acreditar. E este foi seu erro. Desde então o amor dela só faz engordar. A ponto de não caber mais nada naquele coração. Junto ou não, o amor dela só faz engordar.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A vida quase morta.

"O contrário do prazer não é a tristeza, é o tédio", disse o belo professor de filosofia. Ela não imaginava que a inteligência pudesse morar em casa tão bonita.

Rápida, tentou impressionar:

— Da tristeza eu faço letra de samba. E acordo de novo a alegria que mora em mim.

"É preciso ter coragem", ele respondeu. Sem coragem, a vida é mesmo um tédio. E o que ela mais teme é ser engolida pelo tédio.

— É preciso ter coragem para não se acostumar.

E pediram mais uma garrafa de vinho.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Ampulheta.

Por hora, emito os meus sinais.
Em pouco tempo, não mais.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Bodas.

Encontro amigos dos meus pais que eu não via há anos e vejo em alguns deles as marcas claras do tempo. Penso: se os visse todos os dias, o impacto não seria o mesmo. Como não me assustam tanto os sinais do tempo em mim, nos amigos que vejo sempre. Sinto. A procura do amor é por essa eternidade: estar sempre juntos e não ver o tempo passar. O outro não envelhece, só ganha mais significado. Torna-se cada vez mais parte de nós mesmos. Tanto, que já não sabemos mais separar. A sua ou a minha velhice? A nossa. Nossa construção de amor, tijolo a tijolo. E que casa bonita. Eu sonho com ela, sim.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Um e outro.

Um foi capaz de dar a ela ainda mais de si mesma.
O outro levou o que ela nem tinha.

Um ensinou a solitude.
O outro deixou de herança a sua solidão.

Um acreditou com ela.
O outro não quis acreditar.

Um foi embora pra ficar.
O outro não ia nem ficava – na pretensão de assim alcançar a inexistência.

Amor e dor.
Os dois ali, nela.