terça-feira, 16 de novembro de 2010

Ofegante.

Às vezes o que me falta é descanso. O que me escapa é a pausa. Como se em uma distração a vida pudesse fugir. Minha respiração é curta como é rápido o meu pulso. Sempre alerta. A postos para não parar. Ainda mais com uma vida outra batendo fora de mim, um amor de pernas e braços que caminha sem fim pra ganhar o mundo. Tenho fobia do não fazer. E penso tanto, que nem cabe na fala. As 24 horas do dia, dou um jeito de transformar em 30, nem que seja no silêncio da madrugada. A vida sempre me diz "Não tente me controlar", mas eu finjo que não entendo. O que ela quer de mim é coragem, já disse o João. E eu faço de conta que sou corajosa. Mas faço tão bonito, que ela até acredita.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Confissão.

O meu amor por você é inédito. Novo e maduro – como pode? Penso, sinto e quero você. Hoje, amanhã e na medida sem fim do tempo. Quando estou em silêncio e lembro que você existe eu sinto paz. Suspiro aliviada.

Quero vestir o seu abraço e sair com ele por aí, como um colete à prova de balas. Abraço longo, apertado, quente. Quero mais, me abrace mais. Mais um pouquinho. Vai sempre faltar abraço pra minha sede dele.

Sei que dentro de você moram sorrisos. Alguns você deixa escapar, os outros esconde no escuro, pra eu procurar. E eu gosto do jogo.

Gosto também das suas mãos nas minhas, das suas mãos tomando conta de mim. Não quero viver sem suas mãos por perto. Não sei aprender isso. É que esse meu amor inédito parece que nasceu junto comigo.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sim.

Eu já sonhei ser modelo. Depois atriz. Depois cantora. Qualquer coisa que me colocasse num palco. Sim, fiz curso de modelo, depois curso de TV, depois aula de canto. Mas tudo isso durou pouco.

Não fui atrás de nenhum desses sonhos. Fui escrever sobre tudo isso e virei redatora de anúncio. Nisso, persisti.

Não persisti nos meus outros sonhos porque me escondi atrás do meu nariz torto, dos meus dentes imperfeitos, das minhas pernas finas, do meu cabelo ondulado, da minha voz aguda e da minha língua presa. Sim, tudo isso ainda faz parte de mim. Não fiz plástica, não usei aparelho, não coloquei silicone, não fiz musculação, nem escova progressiva, nem fonoaudiologia. Mais tarde, a essas imperfeições vieram se juntar varizes, estrias, celulite, olheiras, cabelos brancos e uma barriguinha.

Sim, eu tenho um filho. O que reforça as olheiras. Mas nesse contexto elas perdem por completo a sua importância.

Sim, eu tenho 37 anos.

Não, eu não uso maquiagem. Talvez porque ao longo do tempo eu tenha aprendido a me aceitar assim, quase exatamente como sou. Talvez porque eu me ache, hoje, mais bonita do que realmente sou. Talvez porque eu não fique esperando a opinião do outro para me sentir assim. Quando eu me olho no espelho, fico feliz no papel de mim mesma.

Sim, eu gosto de aparecer. Isso me diverte e me faz levar a vida menos a sério.

Não, atualmente eu não pratico esportes. Porque sou preguiçosa também.

Sim, eu tenho muitas roupas. Sou consumidora compulsiva. Ainda estou me curando. Lentamente, que é como as verdadeiras curas funcionam. E a cura está em expor meus exageros, transformando o vício em uma coisa boa. Sim, eu já gastei demais, já me endividei, já sofri por isso. Já me culpei. Depois descobri que me culpar só me faria insistir no vício. Sim, eu me perdoei.

Sim, eu já sofri por amor. Muitas vezes. Já fiz sofrer também. E já perdi mãe, pai, avós, filhos no início da gestação. Sim, eu já me separei. E foi bom. Sim, depois disso encontrei o amor da minha vida e o perdi de um dia para o outro. Não, não foi fácil. Mas reencontrei a alegria. Não morri com ele.

Sim, eu só tenho a agradecer. Porque amei e fui amada. Porque temos um filho que ao sorrir me mostra que valeu a pena. Sim, faltaram algumas coisas – mostrar Paris para ele, por exemplo. Faltou ele conhecer o próprio filho. Mas sobrou amor. E não faltou dizer nada. Nem ouvir.

Já vivi muitas coisas. E não me canso de me surpreender com a vida. Sim, para melhor.

Sim, eu me sinto sozinha. Mas não me assusto mais com isso. Tenho me achado ótima companhia.

Sim, eu me orgulho. Não das minhas perdas, mas da maneira como lido com elas. E de estar completando 24 anos de auto-análise. Desde os 13 escrevo sobre a minha dificuldade de estar no mundo. Tanto tempo, que foi ficando fácil. Já fiz as pazes comigo e com o mundo.

Sim, eu sou a filha mais nova de uma família de cinco. E fui mimada. E já fui insuportável. Não, eu não era ouvida. Eu me sentia abandonada. Só falava em tom de choro. Sim, eu me sentia feia. Sim, eu cortei os cabelos pela primeira vez aos 19 anos e nunca mais deixei crescer. Porque isso me libertou. Sim, foi uma alegria descobrir que a beleza estava dentro de mim, e não nos cabelos.

Sim, eu me tatuei 29 vezes. Isso também me liberta e me ajuda a levar a vida de um jeito mais leve.

Sim, eu gosto de me vestir bem. E demorei muito tempo para entender que isso era prioridade pra mim.

Sim, eu gosto de moda. Não a moda ditada pelo último São Paulo Fashion Week. Gosto de moda na coleção que eu mesma lanço ao fazer minhas escolhas. Gosto do desfile que começa a cada dia na hora de me vestir. Sim, essa é a minha forma de fazer moda.

Sim, eu poso de modelo. E me mostro, sem medo. Não, as fotos não têm retoque de photoshop. E eu não tenho uma equipe para me vestir nem para me maquiar. Sim, tenho amigos talentosos que topam a minha viagem todos os dias. Sim, tenho sorte.

Sim, eu gosto de aparecer. E adoro elogios. Eles fazem do outro o meu espelho e isso é muito bonito. Sei elogiar também. E sempre que o faço, é sincero.

Sim, estou em lua de mel com a modelo que existe em mim. Que tem olheiras, varizes, cabelos brancos e nenhuma maquiagem. Sim, estou em lua de mel também com a escritora que existe em mim.

Sim, eu convivo diariamente com uma ou outra frustração. E nenhuma é grande o suficiente para me fazer infeliz. Sim, eu vejo pessoas à minha volta. E muitas delas sofrem também. E a gente troca.

Sim, de vez em quando sinto inveja. Mas quando isso acontece, procuro a saída mais bem-humorada. Sim, é muito bom quando você consegue dar ao outro apenas o melhor que está em você.

Sim, eu ouço som bem alto no carro. Coloco os óculos escuros e canto a caminho do trabalho. Sim, hoje atraio olhares. Nem todos são bons. Mas aprendi a lidar com isso.

Sou triste e sou alegre. Sim, sou eu.

Sim, eu sou mulher. E sou modelo, atriz, cantora. Trabalho num lugar onde posso exercer tudo isso. Construí meu próprio palco.

Sim, eu me acho poderosa. Mesmo porque, é comigo que posso contar. Sim, em alguns momentos percebo que a imagem que involuntariamente construí é diferente de mim. Mas é parecida também. E eu não tenho controle sobre isso.

Não, hoje não tem foto. Hoje vou assim. Vestida dos meus sins e dos meus nãos. Vestida de mim mesma. Praticamente nua. Livre de falsas identidades e convidando você a se libertar também.

(escrito em março de 2008 para o blog hoje vou assim)

sábado, 16 de outubro de 2010

De chão.


É como um tapa de amor que nos atinge em cheio. A falta nos olhando nos olhos com uma gratidão que é privilégio de poucos. Olhos humanos de bicho que já foi e voltou da estrada, estrupiado e leve, sábio e risonho porque nada é assim tão sério. A vida de uma sabedoria quase muda. No sorriso carregado de dor, o amor escapa silencionso pelos buracos entre os dentes. E grita um pedido delicado de abraço. Sorriso rico de quem sabe de cada coisa surrada o seu valor. Um mundo outro que para entrar não cobra ingresso. Mas que atormenta de sol a sol. Como um furacão assustador e rouco que até parece calma. Mas é pura fúria de continuar.

sábado, 21 de agosto de 2010

Sobre a falta de tempo que nos aproximou da gente.

Porque as distâncias eram grandes, escreviam-se cartas. Porque era preciso esperar as cartas, havia tempo. Porque havia tempo, falava-se de amor. Porque falava-se de amor, escreviam-se mais cartas.

E porque era preciso fazer as cartas chegarem mais rápido, construíam-se estradas. Estradas que nos levaram mais rápido ao futuro: encurtaram-se as distâncias.

E porque encurtaram-se as distâncias, aumentou o trabalho. E porque o trabalho aumentou, escasseou o tempo. E pela escassez de tempo, cessaram as cartas. E pela falta das cartas, recesso para o amor.

Porque o amor entrou em recesso, o avanço. E porque veio o avanço, criou-se a tal rede. E porque a rede se criou, encurtaram-se as distâncias. Até mesmo entre os amores. Até mesmo entre os tempos.

E no mundo contido dentro da rede, nasceram de novo as cartas. Agora instantâneas. Que, como aviõezinhos de papel, eram lançadas incessantemente de uma ponta a outra do mapa. Palavras, dores, saudades e sons percorriam num susto longas distâncias, para chegar aos ouvidos da outra ponta do mapa.

O mundo virou teia de cartas. Um emaranhado de dores e amores e gentes se vendo e ouvindo e dizendo em todas as línguas. Um mundo abraçando o mundo carente de cartas, caminhos, estradas e de andar a pé pra relembrar.

Virtuais, as cartas tornaram amores reais.

E a cada nova carta, um mundo de amor. A teia. E a cada novo mundo, mais cartas. E já não era possível desfazer os nós. E as pessoas deram-se as mãos, como antes não acontecia. E eram semelhantes as mãos que se davam, sem que a distância fosse empecilho. E era de mãos também a grande teia.

Mas, como o virtual brilhasse, o real perdeu sua força. Não mais se olharam as pessoas. O amor em recesso mais uma vez.

E como o recesso faz buracos, mais gente da ponta do mapa procurou gente da outra ponta. E do meio. E de um pedacinho ao sul ou ao norte. E as latitudes as mais diversas passaram a se olhar, como não mais os olhos se olhavam. E como as palavras de longe chegavam ao pé do ouvido, falou-se de perto. E porque de longe acendiam-se almas, encurtaram-se as distâncias.

Mas, um dia, de tanto viajarem as cartas, encurtando distâncias e mais distâncias, alguém olhou para o lado e descobriu a verdade.

O longe estava perto. O perto estava longe.

E assim a escassez de tempo nos aproximou da gente. A escassez do tempo nos disse verdades com sua voz rouca. E nos perguntamos se tudo isso fazia sentido. E choramos. E escrevemos novas cartas. E nos demos as mãos de verdade. E nos olhamos no olho. E redescobrimos o tempo.

E amamos. Não mais a escassez. Não mais o virtual. Não mais o longe.

E permanecem as cartas que vão e voltam. Mas o amor não entra mais em recesso.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

De um universo a outro.

É difícil mudar de casa. Sair da casca. Deixar o quentinho do cobertor. Sair do banho e alcançar a toalha. Mudanças são contrastes de estados e, por isso, doloridas. É nascer de novo sair de uma relação para o vazio. Ou para outra. É preciso coragem e ruptura. É preciso acreditar. Comum permanecermos imóveis por mais que o suportável. Sair do banho e agachar enrolado na toalha, pensando na vida. Demorar um tempo até tomar coragem pra mudar de posição. Mudar é um parto, sempre. Mesmo que o novo mundo seja melhor. Diante do universo inteiro que se anuncia novo, o de alguém que chegou de surpresa, muitas vezes nos acovardamos.

Noite livre.

Houve uma noite em que ele não prestou atenção. Entre uma risada e outra, suas mãos depararam com as dela, seu corpo encostou quente em alguma parte do dela. E o tempo foi longo. Do buteco para a pista de dança. Da cerveja à vodca. Do primeiro beijo à dança de rosto colado que mais parecia o corpo fazendo declaração de amor. Houve essa noite em que seu corpo disse e o dela respondeu. Não havia receio, nome, raciocínio ou amanhã. Foi uma noite comprida e ainda houve tempo para um boteco sujo, onde o abraço ficou ainda mais fácil e bonito. E terminou em sanduíche. Ele acordou de ressaca no dia seguinte e, depois de muitos copos d'água, voltou a montar vigília, com olhos de coruja, sem perder um só de seus próprios movimentos. Aquela tinha sido apenas a sua noite de folga.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Um canteiro.

Quem sabe um dia um milagre me leve a me tornar íntima das plantas. E me dê um fim de vida com a pá no bolso, de olho nas folhas secas e ervas daninhas. As mãos calejadas sujas de terra, a roupa surrada e macia, o rosto enrugado entretido pelo prazer. E a corcunda a olhar para baixo em busca do que cresce, contemplando o passado-futuro. Terra, terra e Terra. Finalmente amiga da vida. E, como aquela minha querida, uma morte plena e repente pra virar um bom adubo. Amém.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Um sopro.

A palavra insinuar veste um vestido. Leve e transparente. Nada afirma, insinua. Curvas sinuosas por baixo do vestido. Vestidos dão asas à imaginação. São eles as asas. Vestidos vestem. Vestes. Vento no vestido. Vestidos voltam no tempo, velhos tempos do vestido. Vestidos, volta, saia rodada. Vento por baixo da saia do vestido. Vestidos mudam de forma, revelando, não as formas, gordas ou magras, mulheres. Vestidos deixam respirar. Insinuam sinuosas curvas, perigo adiante. Suspiros. Vestidos vestem despindo. Vestidos são a minha forma de me vestir de vento.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

O ponto.

Venho de um mar revolto que não me dava descanso, um gosto de sal na garganta e uma sede, em meio a tanta água. Venho cansada da luta. E a minha sede era de água e paz.

Eu não procurava um pouso porque já tinha o meu próprio – que pode não ser macio nem mágico, mas tem o meu cheiro. Eu procurava o que não sei. Procurava parar de procurar. E já vinha desacelerando a busca, numa desistência doce.

Era a paz que eu procurava. A paz que me sorri bem puro. A paz que não é tédio. Que dá colo pra descansar, mas também é capaz de surpreender e fazer o coração bater forte, a circulação aumentar, o corpo se sentir vivo. A paz que atormenta. Paz que é um ponto.

Que é chegar em casa sorrindo. Uma insônia boa. Certeza que não mata. Saudade que revela. Que é quando a imperfeição encontra lugar confortável em nós. É sentir no outro uma semelhança macia. Saber um pouco do que vai no outro, sem saber quem é o outro.

Estou apaixonada por uma tempestade suave em mim.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Amanhã, espero por você em BH.


Se você perdeu o lançamento do livro em novembro de 2008. Se você tem o livro e quer um autógrafo. Se você até hoje não havia conseguido comprar o livro. Se você quer dar uma passeio gostoso no feriado. Se você quer conhecer um café novo. Se você mora perto da Página 1. Se você quer me dar um abraço. Ou só porque amanhã é sábado. Apareça. A partir das 10h30, vou estar à sua espera. Um beijo.

terça-feira, 30 de março de 2010

A paz no colo.

Ela não se mexe: o filho dorme com a cabeça apoiada em sua barriga. Aquele, que há poucos anos estava lá dentro. Continua sendo parte dela. No aparelho de som, a sequência de músicas conta a sua própria história. Rápidas e ainda intensas, as cenas passam ao som de uma trilha que vai acendendo imagens e rastros diferentes. Ela se permite sentir, com a paz e a tristeza que fazem parte de ser. A alegria de amar de novo, a serenidade de se sentir companheira, amada e ponto. Pensa no amor que passou, no sentido daquele encontro. Lembra do amor que se foi da vida, deixando o filho que ainda é amor. E se convence de que alguns (des)encontros são parte da construção. Desapegar-se para seguir em frente. Trazemos tudo conosco, ela pensa, tudo aqui dentro a fazer parte. Assim como deixamos para o outro. E o que deixamos, não nos cabe. Ela pensa e chora, pensa e sorri, sempre quase imóvel, porque ali o filho dorme em paz. Ali dorme a sua paz. Haviam tido um embate minutos antes, um desses impasses cotidianos entre uma mãe e seu filho pequeno. Agora está tudo calmo. Passou. Como tantas coisas, como o tempo, nunca em vão. Ficam as lembranças, algumas ainda dóem, outras trazem sorrisos. Tudo dentro, respirando em nós e ao redor de nós. Vivo e em movimento. Vivo e em sono tranquilo, como o filho sobre a barriga.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Final feliz.

Ela foi viver um amor de verdade. Ele ficou com a falta dela a lhe fazer companhia – para ele, não poderia haver par melhor.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Quando aprendi a dizer eu te amo.

Ele era só um colega de trabalho. Que a cada manhã abraçava as pessoas para um bom-dia e um beijo, fosse homem ou mulher. "Linda", era como ele se referia à mãe ao falar com ela por telefone. Não raro, se despedia dizendo "Eu te amo".

Gostar dele foi fácil. Em pouco tempo éramos amigos a trocar histórias. (E amigos sentem o amor mais bonito que se pode amar.) Um dia, depois de contar a ele algo que me entristecia, recebi um e-mail: "Eu amo você". Não era uma declaração romântica, eu sabia disso. Mas fiquei olhando para a tela, tentando disfarçar certo constrangimento.

Ele era casado, eu também. Meses depois, as coisas mudaram. Numa festa de trabalho, ele falou da paixão que sentia por mim. Eu já havia esquecido aquele e-mail — que era apenas uma prova da pessoa especial que ele era.

O primeiro "Eu te amo" era amor puro, sem sedução. O segundo, sim, tinha uma dose de paixão.

Ele me ensinou a falar de amor. Amor que esteve presente do início ao fim em uma história que teve curtos dois anos de duração – ou, dependendo do ponto de vista, uma história para sempre. É que antes de deixar esse mundo ele me deixou um filho. Um jeito definitivo de falar de amor.

Foi para esse filho que recitei o meu amor por seis ou oito vezes, ao sair da garagem outro dia, pela manhã, e ver sua cabecinha na janela para se despedir. Não me lembro de ouvir minha mãe gritando essa frase pra mim de onde quer que ela estivesse.

Venho de uma família amorosa, mas que costumava reservar as palavras de amor para cartas escritas em datas especiais — que líamos com lágrimas nos olhos e certa timidez. Faz pouco tempo que me permito falar rasgado.

Sim, falar. Não escrever num cartão ou sussurrar no ouvido de alguém. A-mo-vo-cê. Não para mandar com flores, mas pra fazer flores com as palavras. Não só para amores do sexo oposto, eleitos pra dividir a vida com a gente. Mas para todos os que verdadeiramente amamos. São muitos.

Amamos quem divide com a gente um dia de trabalho. Amamos quem nos faz rir. Amamos quem dá ou aceita ajuda. Amamos quem sabe ser carinhoso. Existe amor em nós e é bom falar sobre ele. É energia que se multiplica e torna melhor o dia, o tempo, a vida.

Certa vez, convivendo com a família do pai do meu filho, já sem a sua presença, ouvi da mãe dele um "Amo você." Hoje, digo a eles o mesmo. Falar de amor me transformou para sempre.

Com o tempo e os fatos, reparei que meus irmãos e amigos também aprenderam. Acho que a vida ensina, ao roubar de nós momentos e pessoas. Passamos a entender que o tempo não volta. É melhor ter a certeza de ter dito o que sentimos.

Quando decidi escrever sobre isso, cheguei em casa tarde e havia festa no prédio — meu humor piorou quando notei que o repertório era sertanejo. Não houve como não ouvir os convidados cantando "Amigos para sempre" em uníssono, provocando em mim uma alegria que me pegou de surpresa. “Devo estar ficando velha”, pensei.

É o contrário: finalmente estou jovem porque agora entendo.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Muito.

O que ela quer é falar de amor. Fazer cafuné, comprar presente, reservar hotel pra viagem, olhar estrela sem ter o que dizer. Quer tomar vinho e olhar nos olhos. Ela quer poder soprar o que mora dentro, o que não cabe, que voa inocente e suicida. Ela quer o que não tem nome. Quer rir sem saber de quê, passar horas sem notar, quer o silêncio e a falação. Ela quer bobagem. Quer o que não serve pra nada. Quer o desejo, que é menos comportado que a vontade. Ela quer o imprevisto, a surpresa, o coração disparado, o medo de ser bom. Quer música, barulho de e-mail na caixa, telefone tocando. Ela tem muito e quer mais. Quer sempre. Quer se cobrir de eternidade, quer o oxigênio do risco pra ficar sempre menina. Ela quer tremer as pernas, beijo no ponto de ônibus e a milésima primeira vez. Quer cor e som, lembrança de ontem, sorriso no canto da boca. Ela quer dar bandeira. Quer a alegria besta de quem não tem juízo. O que ela quer é tão simples. Só que ela não é desse mundo.