quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Ausência.

Ele mantém a cabeça ocupada, como se assim evitasse a doença do amor. Para não pensar no que já lhe tomou todo o corpo. E assim se divide em dois. Dois ou mais. Nunca está inteiro. Nunca está. Como se já se tivesse ido também. Mas há uma dor em suportar sua própria ausência. O que lhe parecia remédio agora dói. E não cura.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Uísque na xícara.

Ele disse que gostaria muito de estar apaixonado por ela. Mas não conseguia. Depois bebeu mais um pouco e contou que foi com ela que aprendeu a usar a palavra sedução. "Na aula de teatro, a professora ensinou que todo movimento precisa ter começo, meio e fim. Eu me lembrei de você." Porque todos os movimentos dela tinham começo, meio e fim. E desenhou a imagem que há meses estava guardada em sua memória. Um gesto dela. Um gesto simples. Usou as mãos para descrever. Fechou os olhos. "Você é a pessoa mais sedutora que eu conheço." Mas não. Ele não estava apaixonado por ela.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Amora.


Feminino de amor.
Mais amor ainda.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Medo.

Se ele soubesse que ela vai morrer amanhã, talvez a deixasse entrar. Se ele soubesse que ela vai morrer amanhã, talvez se permitisse, na tentativa de tomar fôlego, amar com a urgência de que tem sede. Se ele soubesse, sua vida passaria como um filme e ele tomaria a pressa que cura. Mas ele não sabe. Não tem a urgência que faz buscar o ar num segundo. Ela vai morrer amanhã. E, antes dela, o amor vai morrer numa curva, quando for só um fio fino de esquecimento. Tudo vai morrer e acabar amanhã. Mas ele não sabe. Permanece imóvel, temendo o que vai acontecer amanhã.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Exato.

Um mais um será sempre igual a dois. Um menos um, zero. A morte é matemática. A vida, não. A vida é delicada e inexata. É pra quem sabe brincar de poesia.

Cumplicidade.


Daqui.

sábado, 7 de novembro de 2009

Casca.

Ele trazia o coração envolto por uma casca. De modo que nem parecia haver ali uma batida. Ele era um morto-vivo, sorrindo para o mundo uma alegria comprada em loja. Um dia ele topou com ela. Ela, sim, trazia o seu coração nu, carne viva, pulsando convicto. E foi assim que os dois corações nunca se encontraram. Um dia a casca do coração dele se quebrou e quem ficou nu foi ele, diante do que sentia. Pegou seu próprio coração com as mãos, quente feito brasa, e o jogava para um lado e para outro sem saber o que fazer com aquele amor que lhe queimava a pele. Quando olhou aquela bomba vermelho-sangue, o coração dela explodiu em sorriso. Mas o tempo passou de novo e o que ela viu crescer não foi amor: foi outra casca. Outra dura e forte a esconder mais uma vez aquele músculo frágil, a ponto de nem se ouvirem mais as batidas. E o coração que ela não mais vê, não mais sente. E o dela ganha paz de novo, como quem viveu um sonho breve e acordou.

sábado, 31 de outubro de 2009

Coração vazio.

Meu coração estava grávido. Grávido de um coração de vazios. Grávido de um coração oco. Que viveu de quases. Quase amor, quase entrega, quase coragem, quase inteiro, quase ele mesmo. Quase. Meu coração grávido tudo viveu, tudo disse, tudo fez. Agora, não há mais nada. Nada a dizer, a fazer, nada a somar. Meu coração estava grávido de uma história só sua, tentando em vão entrar num roteiro fechado. Grávido e solteiro. Meu coração estava grávido de um amor só meu. Não respirou outro ar, não bebeu de outro leite. Quase morreu à míngua. Mas era de si mesmo que o meu coração estava grávido. Meu coração pariu outro coração de mim mesma e agora está vazio. Mas é um vazio bom. Vazio de outro vazio, meu coração se enche de si. Vazio de prisões, meu coração está cheio de possibilidades. Eu o sinto vazio e quieto. Eu o sinto em paz.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Caminho.

Por algum tempo, ela segurou a lanterna. Iluminava o caminho e o deixava seguro durante a viagem. De vez em quando ele sumia, como criança ao se distrair com algum barulho no meio da estrada. Depois a alcançava de novo - não se sabe se em busca dela ou da lanterna. Até que, num determinado momento, ele ficou para trás. Quando não ouviu mais sua voz, nem os seus passos, ela apontou a lanterna acesa para todas as direções. Procurou, gritou por ele. Nada. Sentou-se à beira da estrada e chorou. Desligou a lanterna e ouviu o silêncio gritando, as cores do escuro cegando seu pensamento. E adormeceu, exausta. Quando acordou, já era dia. A estrada parecia diferente. Talvez outra. E de que adiantava a lanterna se ela não sabia mais para onde seguir? Ela ainda pensava sobre isso quando o avistou de novo. Sentiu seu coração batendo mudo. Não tinha o que dizer, nem para onde apontar. É outra a estrada. E ela já não sabe mais como guiá-lo. Ela mesma precisa aprender o caminho de novo.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

XXI ou XIX?

Que o meu amor por ele é contemporâneo, atual, clássico, insistente, permanente, corajoso, teimoso e certo. O dele por mim, não. O dele é antigo, platônico, lento, shakespeareano, tímido, medroso, inconfesso, distraído pra não se perceber. De modo que todo dia eu apareço na janela, sempre formosa. Vai que ele passa.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Do pretérito.

Engordar com ela. Este era o desejo dele, confesso num impulso em que a boca fora mais rápida que a censura. Engordar com ela. "E o meu amor engordaria junto", pensou, secreta e lisonjeada pela fala inédita - mais ainda que pelo amor. Pensamento bobo, que no meio do futuro enfiou um pretérito, um jeito tonto de não acreditar. E este foi seu erro. Desde então o amor dela só faz engordar. A ponto de não caber mais nada naquele coração. Junto ou não, o amor dela só faz engordar.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A vida quase morta.

"O contrário do prazer não é a tristeza, é o tédio", disse o belo professor de filosofia. Ela não imaginava que a inteligência pudesse morar em casa tão bonita.

Rápida, tentou impressionar:

— Da tristeza eu faço letra de samba. E acordo de novo a alegria que mora em mim.

"É preciso ter coragem", ele respondeu. Sem coragem, a vida é mesmo um tédio. E o que ela mais teme é ser engolida pelo tédio.

— É preciso ter coragem para não se acostumar.

E pediram mais uma garrafa de vinho.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Ampulheta.

Por hora, emito os meus sinais.
Em pouco tempo, não mais.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Bodas.

Encontro amigos dos meus pais que eu não via há anos e vejo em alguns deles as marcas claras do tempo. Penso: se os visse todos os dias, o impacto não seria o mesmo. Como não me assustam tanto os sinais do tempo em mim, nos amigos que vejo sempre. Sinto. A procura do amor é por essa eternidade: estar sempre juntos e não ver o tempo passar. O outro não envelhece, só ganha mais significado. Torna-se cada vez mais parte de nós mesmos. Tanto, que já não sabemos mais separar. A sua ou a minha velhice? A nossa. Nossa construção de amor, tijolo a tijolo. E que casa bonita. Eu sonho com ela, sim.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Um e outro.

Um foi capaz de dar a ela ainda mais de si mesma.
O outro levou o que ela nem tinha.

Um ensinou a solitude.
O outro deixou de herança a sua solidão.

Um acreditou com ela.
O outro não quis acreditar.

Um foi embora pra ficar.
O outro não ia nem ficava – na pretensão de assim alcançar a inexistência.

Amor e dor.
Os dois ali, nela.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Sem pensar.

De uma história que se foi. De uma história que eu fui. De um passado com cheiro e sons. De quando eu sofria por outras coisas. De um bailado a dois. De tanto querer. De um sono acompanhado. De ontem, de amanhã. De farinha de trigo. De ovo. De açúcar. De afeto. De tanto. De sem. De medo. De agora. De não saber. Do medo de não saber. Da surpresa. Da boa e da ruim. De um gosto de café. Da boca seca. De fotos recentes que se tornaram antigas. De um medo que se foi sem susto. Do medo novo. De um sorriso novo. Do que eu pensava que seria difícil. Do que eu pensava que era impossível. Do que eu não pensava. Da força. Da fé. Da chama. De mim mesma. Era uma vez eu. Feliz e sempre.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Ressignificado.

Felicidade é esse quase tudo que é tanto e que a gente acaba passando por cima como se fosse nada.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Slogan.

Just love me, diz a estampa da camiseta em que me enfio antes de ir para a cama. O pecado do amor é se meter a pensar. Just love me – repito. Cala esse pensamento e ama. Ponto.

Simples assim.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Determinado.

Não sossegou enquanto não a fez louca.
Para então poder dizer:
– Doida.

Apegado a uma loucura
que não era dele, nem dela.

Um falso escudo de proteção.
Ora nele, ora nela.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A beleza neste mundo.

"… talvez seja isso a vida: muito desespero, mas também alguns momentos de beleza em que o tempo não é mais o mesmo." (Muriel Barbery em "A elegância do ouriço")

De novo a morte a nos voltar o olhar bonito para a vida. Hoje, foi preciso aprender isso de novo. Renée e Paloma em mim. O sempre no nunca. Que sorte a minha.

sábado, 25 de julho de 2009

Amor.

Simples assim.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Bagagem.

Da alegria para a tristeza, saudade.
Da tristeza para a alegria, tamanho.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Fantasmas.

Há uma semana alguém bateu na traseira do meu carro. Coisa à toa. Nada que 15 dias de oficina não resolvam. Mas o pequeno susto ecoa por um tempo na memória. Penso nisso sempre que paro num semáforo. Filosofo: todo dia, confiamos que à nossa volta o freio do mundo vai funcionar. Ter medo de quê, então? Se cada nova manhã é um exercício involuntário de fé.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Falta.

Presente em todo lugar.
Menos em mim mesma.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Off.

Minha cabeça é plateia
que me assiste enquanto pensa
– e já não sabe se uma ou outra.

Cabeça-calculadora
a me dividir
por todo o tempo:

dí-zi-ma
periódica.

Espectadora de mim,
rio do que não é,
choro do que não sinto.

E repito
e repito
e repito
repito de cor
esse texto
que não é meu.

(E essa cortina, que não fecha?)

Castelo.

Dá pra construir qualquer coisa com o que não aconteceu.

sábado, 20 de junho de 2009

Pouso.

A vontade dele era morar nela. Ele, que por muito tempo se perdeu dos seus desejos. Ela, a quem ele não dava nome. Que só existia entre quatro paredes, num amor que inventaram de ser proibido. Ele, que já não contava mais com o amor. Ela, que de tanto amar já não se achava capaz. Ele queria morar nela, mesmo sabendo que naquele corpo não cabia. Ele, para quem mulher era carne, volume, volúpia. E ela era tão pequena, magrela, um menino-moleque. Naquele corpo de menino ele queria mãe. Naquele corpo de mãe, queria ser homem. Ele não se reconhecia nela. Mas só se achava ali. Nela. Ali ele fazia suas confissões. Do que lhe metia medo, das mentiras que a vida lhe fez, dos desejos que nem teve. E diante dela ele já nem sabia o que era verdade. Ele queria entrar ali dentro e nascer de novo: puro, diferente, autêntico. Ele queria adormecer nela. Mesmo que no dia seguinte saísse ao encontro de sua vida de sempre. Lugares, dinheiro, conquistas. Os amigos de longa data, que ele só sabia amigos por assim ter aprendido. Não sentia aquele bem-estar neles. Há muito ele vinha separado do seu bem-estar. Ele, que vivia para fora, robô de si mesmo, sem se perguntar se era mesmo por ali. Ele sempre voltava para ela. Ela, que a cada noite lhe contava uma história. E era sempre a história dele que contava. Como se lhe voltasse um espelho e, ali, ele se visse nu. Ele gostava de ouvir sua própria história. Mesmo saindo dali assustado e com medo, muitas vezes. Havia muitos e muitos anos que ele evitava o espelho. Mas o dia chegava ao fim e ele voltava. Para ouvir mais uma história. Para se ver mais um pouco. Havia naquelas histórias alguma coisa que o atraía. Algo que o intrigava. Algo de que ele vinha fugindo, que ele vinha desprezando, até que no caminho de fuga deparou com. Ele vinha fugindo da sua própria vida e, no caminho que tomou para evitá-la, a encontrou. Ela mesma lhe contou. Ela, que era invisível. Ela, que ninguém mais conhecia. A vida em volta continuava a mesma, embora ele sempre voltasse. Eram amigos. Disso, tinham certeza. Ele queria morar nela, mas tinha medo de ali ficar. Ela queria, sim, a sua presença. Ali, ele seria sempre bem-vindo. Mas o desejo dela não era o de engolir. Ela era pequena, a menor de todas, tão menor que ele. Mas ali ele permanecia noites inteiras, confortável, naquele canto exato e quente. Ela não o queria para si, embora o quisesse. Ela queria um filho com ele, como se precisasse fazer o amor virar carne, existir, ganhar o mundo. Queria que ele a quisesse tomar para si. Queria que ele sempre fosse bem-vindo, como queria ser bem-vinda sempre. De vez em quando ela também ia se hospedar nele, mesmo que por um tempo, com a certeza de que a casa nunca seria sua. Ela queria aquele amor macio e estranho, sem garantias de ser para sempre. Ela queria aquele amor de hoje. Queria amar com liberdade, embora desejasse o desejo de pertencer. Ela queria poder ser dele, mesmo não sendo. Queria um pedido de casamento para lhe dizer o mais amoroso não. Para então tomá-lo pela mão e desenharem juntos os caminhos a dois. Sempre cada um. Sempre de mãos dadas. Com a suavidade de não fazer tudo sempre igual. Ela queria a solidão dele, queria dividir com ele o seu sem rumo. Ela o queria quase toda noite. Queria cuidar dele enquanto ele estivesse hospedado nela. Queria hospedar-se nele também e, ali, naquele espaço de tempo, receber seus cuidados. Ela queria amar para sempre e para sempre ser amada, mas não buscava a promessa – não era ali que morava o para sempre. Ela também queria a falta dele, de que também era feito o amor por ele, o amor dele por ela. Ela o queria inteiro para si mesmo e tanto maior ao seu lado. Ela queria, não a promessa, mas a vontade. Ele queria, não a obrigação, mas a sorte. Eles queriam estar sempre começando de novo. Ela, que tinha uma história comprida, que vinha gastando no caminho. Ele, que há anos vinha arrastando o peso da sua. Muitas vezes ele pensava em desistir dela. E dela fugia. Mas era de si mesmo que ele fugia. Ele saía. Mas sempre voltava para casa.

terça-feira, 12 de maio de 2009

O homem do capô levantado.

Um capô levantado, um homem.
O homem com o capô levantado mergulha os olhos no motor do seu carro velho.
O homem com o capô levantado mergulha em mais um dos seus problemas.
O homem do capô levantado tampa a vida e mete a mão no motor.
Baixa o capô e os olhos. Desce a tampa e pensa na vida.
O homem do capô levantado está pela tampa.