terça-feira, 16 de outubro de 2012
Finalmente
quinta-feira, 5 de julho de 2012
Porquinho
domingo, 3 de junho de 2012
Cadeado
quarta-feira, 25 de abril de 2012
sábado, 14 de abril de 2012
Instruções para desvendar histórias
Coloque o ipod no ouvido. Sente-se num banco da sala de embarque do aeroporto de Brasília, interrompa a leitura do seu livro e observe as pessoas passando. São muitas. Todas têm um destino, uma pressa, uma ansiedade, uma alegria e uma dor. Se o que tocar no seu ipod for dramático, você verá as dores delas. De todas as cores, da roxa e da rosada. Se a música for em francês e houver um violino, você verá estampadas em seus rostos diversas saudades. Mas se a próxima faixa for alegre, será divertido observar. Verá que todo mundo é um pouco esquisito e também um pouco familiar.
sábado, 7 de abril de 2012
Um outro ponto
Ele era marginalizado. Diante da suavidade das vírgulas e do autoritarismo dos dois pontos, o ponto de exclamação era um convite às críticas. Exagerado. Era o que dizia o ponto final, sem alardes. Escandaloso… Assim o definiam as reticências, sempre escondendo uma maldade além da escrita. Quem ele pensa que é com esse entusiasmo todo? – indagava irritado o ponto de interrogação.
Por eles, a exclamação seria banida do grupo. E ponto final.
Exclamar era coisa para os sem classe. O que mais dizer de um sinal usado nos lamentáveis momentos de exaltação ou susto? O resto é puro deslumbre, pensava a gramática em peso. E os nobres não se deslumbram, apenas entreabrem a boca, fazem um curto comentário e voltam às sua inalterada pose.
Mas ele seguia alegre, sem dar ouvidos às maledicências, até porque, por falar demais, nem tinha tempo para ouvi-las. Frequentava as ofertas do varejo, aumentando vendas. Visitava a casa dos outros em nada criativos cartões de aniversário – mas nem por isso menos sinceros. Nos fins de semana, dançava samba e pagode, enquanto os outros frequentavam recitais de piano sem mover o pescoço.
Até que vieram três dáblios juntos e uma tal arroba. E o que antes eram cartas espaçadas tornaram-se e-mails frequentes, muitos por dia, entre pessoas do mundo todo, até as que se viam todos os dias. E-mail para uma demanda de trabalho. E-mail para uma urgência. E-mail para falar de amor. E-mail pra perguntar. E-mail pra responder.
Em vez de se olhar nos olhos, as pessoas começaram a olhar para as telas. Ali, era primordial depositar a emoção certa. Como dizer de uma saudade doída usando apenas um ponto final? Como falar de uma urgência com reticências? Como falar de alegria sem exclamações? Na pressa, vírgulas passaram a ser engolidas, deixando suas parentes preocupadas. Interrogações eram tão mais usadas, que sofreram estafa. Mas o ponto de exclamação, entusiasmado, estava sempre a postos. Sem ele, e-mails eram mal interpretados. Casais tinham discussões acaloradas devido a mensagens mal compreendidas. Evitar o ponto de exclamação era burrice.
E ele vinha sempre, agora mais esfuziante e sorridente, satisfeito por sua desnecessária alegria ter encontrado, enfim, um sentido.
Sem saída, os outros pontos e vírgulas se renderam, entendendo que, cada um a seu modo, todos tinham sua importância.
E no dia 24 de dezembro, na reunião da família gramatical, os ex-posudos o esperaram em peso. E quando ele entrou, precisou exclamar de susto com o que ouviu e viu: Feliz Natal!!!! – gritaram todos juntos. E aquele Natal virou Carnaval. E o que se ouvia no som era um samba de Noel.
Na caixa
Ela atravessa a rua carregando a caixa de um violoncelo. Atravessa em silêncio, mas grita para o mundo: toco violoncelo. Atravessa a rua e o meu coração, como uma faca afiada sangrando a minha inveja.
Não desejo nada de mal a ela. Nem mesmo que ela pare de tocar. Aliás, nem sei se ela toca. Mas eu gostaria de atravessar a rua carregando aquela caixa. Eu ouviria o som dos pescoços do mundo se voltando para mim – e seria um solo de violoncelo.
Tocar violoncelo me parece algo importante. Muito mais importante do que tantas outras coisas que faço. Olhar para o meu celular pra ver se chegou e-mail. Comprar pão. Andar pela calçada portuguesa com o meu salto 8, tentando preservar o salto – e o tornozelo.
De salto, carregando o violoncelo, talvez seja difícil atravessar a rua. Muitos riscos em apenas uma travessia. Tudo bem, eu abro mão do salto. Mas o violoncelo é meu – e eu daria conta de atravessar com ele, como quem leva uma bolsa a tiracolo, coisa pouca, ato corriqueiro. Eu nem pentearia os cabelos. Sairia exibindo as minhas olheiras naturais – quem as notaria? Meu violoncelo falaria mais alto. E tocaria o coração de cada um naquela cidade cinza em meio às buzinas.
Atravessar a rua carregando a caixa de um violoncelo é ser protagonista entre os figurantes. Mas eu nem ligo – não percebo a grandeza do que levo, nem o peso, nem o fato em si. É normal carregar meu violoncelo. Ele é meu grande companheiro. Somos eu e ele, nos completamos. Eu e meu violoncelo.
Mas agora eu não posso falar mais. O sinal abriu para os pedestres e eu preciso atravessar a rua. Eu e ele, o meu violoncelo.
segunda-feira, 19 de março de 2012
Janelas
Da janela de casa, a ilusão de segurança entra em mim, encontrando abertas todas as portas. Pela fresta entra um resto de medo e escapam alguns sonhos.
Do alto do arranha-céus, minha janela é observatório de formigas. Da janelinha do avião, anseio pela aterrissagem enquanto atravesso o mar de algodão. Nos quadradinhos do trem, a velocidade pinta quadros cor de paisagem.
Dos meus olhos, janela de mim, vejo um mundo que é só meu. Janelinhas mínimas para tudo ver. De vez em quando encontro outras janelas que só me veem a mim. Uma janela contempla a outra e dali podem vir relatos, abraços e convites para um café. Curiosas sobre as outras janelas, as nossas estão sempre enganadas.
Janela. Para o jardim da praça. Para a casa do vizinho. Para a alma do amigo. Para emoldurar a vida, criando romances de bobos fatos.
Janela de inventar histórias. Câmera que não enquadra: os objetos é que escolhem como se enquadrar. Janela de sonhar. Ou de jogar sonhos pela janela.
A TV é janela tecnológica. Mudo a paisagem constantemente – e não me contento com nenhuma delas. No computador, abre-se a janela para um mundo sem fim. Um país de maravilhas que nos aprisiona pequenos, angustiados como coelhos sempre atrasados. Fechamos o notebook, exaustos, para finalmente enxergar a simples janela de abrir.
Da janela pra fora, desejo de liberdade. Da janela pra dentro, a história do vizinho em quadrinhos.
As ideias que me vêm são janelas floridas. No papel viram portas. Entro para ver o que há.
Apaixonada, observo a janela do outro, que me dispara o coração e me atiça a curiosidade. Mas se sou eu a paixão do outro, do meu parapeito eu o assisto a me fazer serenata.
A vida é uma sequência de janelas e portas, janelas e portas, sonho e realidade.
Paixão é janela. Amor é porta. Decote e nudez. Namoro e casamento. Gravidez e filho. Preconceito e conceito. Janelas e portas, janelas e portas. O segredo é entrar e criar novas janelas, emoldurar outras cenas, fazer das verdades sonhos enjanelados.
Para que a vida, parede branca, tenha sempre novos quadros para contemplar.