quarta-feira, 25 de abril de 2012

sábado, 14 de abril de 2012

Instruções para desvendar histórias

Coloque o ipod no ouvido. Sente-se num banco da sala de embarque do aeroporto de Brasília, interrompa a leitura do seu livro e observe as pessoas passando. São muitas. Todas têm um destino, uma pressa, uma ansiedade, uma alegria e uma dor. Se o que tocar no seu ipod for dramático, você verá as dores delas. De todas as cores, da roxa e da rosada. Se a música for em francês e houver um violino, você verá estampadas em seus rostos diversas saudades. Mas se a próxima faixa for alegre, será divertido observar. Verá que todo mundo é um pouco esquisito e também um pouco familiar.

sábado, 7 de abril de 2012

Um outro ponto

Ele era marginalizado. Diante da suavidade das vírgulas e do autoritarismo dos dois pontos, o ponto de exclamação era um convite às críticas. Exagerado. Era o que dizia o ponto final, sem alardes. Escandaloso… Assim o definiam as reticências, sempre escondendo uma maldade além da escrita. Quem ele pensa que é com esse entusiasmo todo? – indagava irritado o ponto de interrogação.

Por eles, a exclamação seria banida do grupo. E ponto final.

Exclamar era coisa para os sem classe. O que mais dizer de um sinal usado nos lamentáveis momentos de exaltação ou susto? O resto é puro deslumbre, pensava a gramática em peso. E os nobres não se deslumbram, apenas entreabrem a boca, fazem um curto comentário e voltam às sua inalterada pose.

Mas ele seguia alegre, sem dar ouvidos às maledicências, até porque, por falar demais, nem tinha tempo para ouvi-las. Frequentava as ofertas do varejo, aumentando vendas. Visitava a casa dos outros em nada criativos cartões de aniversário – mas nem por isso menos sinceros. Nos fins de semana, dançava samba e pagode, enquanto os outros frequentavam recitais de piano sem mover o pescoço.

Até que vieram três dáblios juntos e uma tal arroba. E o que antes eram cartas espaçadas tornaram-se e-mails frequentes, muitos por dia, entre pessoas do mundo todo, até as que se viam todos os dias. E-mail para uma demanda de trabalho. E-mail para uma urgência. E-mail para falar de amor. E-mail pra perguntar. E-mail pra responder.

Em vez de se olhar nos olhos, as pessoas começaram a olhar para as telas. Ali, era primordial depositar a emoção certa. Como dizer de uma saudade doída usando apenas um ponto final? Como falar de uma urgência com reticências? Como falar de alegria sem exclamações? Na pressa, vírgulas passaram a ser engolidas, deixando suas parentes preocupadas. Interrogações eram tão mais usadas, que sofreram estafa. Mas o ponto de exclamação, entusiasmado, estava sempre a postos. Sem ele, e-mails eram mal interpretados. Casais tinham discussões acaloradas devido a mensagens mal compreendidas. Evitar o ponto de exclamação era burrice.

E ele vinha sempre, agora mais esfuziante e sorridente, satisfeito por sua desnecessária alegria ter encontrado, enfim, um sentido.

Sem saída, os outros pontos e vírgulas se renderam, entendendo que, cada um a seu modo, todos tinham sua importância.

E no dia 24 de dezembro, na reunião da família gramatical, os ex-posudos o esperaram em peso. E quando ele entrou, precisou exclamar de susto com o que ouviu e viu: Feliz Natal!!!! – gritaram todos juntos. E aquele Natal virou Carnaval. E o que se ouvia no som era um samba de Noel.

Na caixa

Ela atravessa a rua carregando a caixa de um violoncelo. Atravessa em silêncio, mas grita para o mundo: toco violoncelo. Atravessa a rua e o meu coração, como uma faca afiada sangrando a minha inveja.

Não desejo nada de mal a ela. Nem mesmo que ela pare de tocar. Aliás, nem sei se ela toca. Mas eu gostaria de atravessar a rua carregando aquela caixa. Eu ouviria o som dos pescoços do mundo se voltando para mim – e seria um solo de violoncelo.

Tocar violoncelo me parece algo importante. Muito mais importante do que tantas outras coisas que faço. Olhar para o meu celular pra ver se chegou e-mail. Comprar pão. Andar pela calçada portuguesa com o meu salto 8, tentando preservar o salto – e o tornozelo.

De salto, carregando o violoncelo, talvez seja difícil atravessar a rua. Muitos riscos em apenas uma travessia. Tudo bem, eu abro mão do salto. Mas o violoncelo é meu – e eu daria conta de atravessar com ele, como quem leva uma bolsa a tiracolo, coisa pouca, ato corriqueiro. Eu nem pentearia os cabelos. Sairia exibindo as minhas olheiras naturais – quem as notaria? Meu violoncelo falaria mais alto. E tocaria o coração de cada um naquela cidade cinza em meio às buzinas.

Atravessar a rua carregando a caixa de um violoncelo é ser protagonista entre os figurantes. Mas eu nem ligo – não percebo a grandeza do que levo, nem o peso, nem o fato em si. É normal carregar meu violoncelo. Ele é meu grande companheiro. Somos eu e ele, nos completamos. Eu e meu violoncelo.

Mas agora eu não posso falar mais. O sinal abriu para os pedestres e eu preciso atravessar a rua. Eu e ele, o meu violoncelo.