domingo, 29 de maio de 2011

Águas



Foi em março de 2007 que conheci esta versão da famosa música do Jobim – você estava prestes a nascer. Ouvi-la, hoje, é sentir no rosto de novo a brisa delicada de uma calma triste. Uma calma que me falava sobre o que não podia ser mudado e sobre as revoluções que me aguardavam por trás do que não podia ser mudado. Da delicadeza de um novo momento, mesmo que soasse violento em sua muda chegada.

As águas de março eram o fim do caminho e, da viagem seguinte, você era o começo.

Novos amores se anunciavam como flores, a começar pelo seu. Novos ares. Alguns desejados, outros não, revelando que a vida é quem faz as escolhas, por mais que nos dê outra ilusão. Ela nos brinca e em suas mãos somos criança. Entre uma brincadeira e outra, vem a morte para nos ensinar tanto a urgência como a calma resignação.

E é no jogo bobo e repetido que vai se revelando: o que passa, o que vem para ficar, o que é só caminho, o que é lugar para morar.

O tempo avança e luto para conquistar finalmente a calma. Penso que a conheço, mas ela me foge invisível. Em minha pressa de fazer sozinha, como se eternamente eu não vá ter com quem contar, me vejo a cada dia mais veloz, elétrica, acelerada. O que ontem sequer existia me invade e amanhece urgente, imprescindível, essencial.

Em minha ânsia de viver, esqueço de respirar. E o que é pior: sufoco também.

Você é tão parecido comigo, filho. A paciência que lhe peço é a paciência que não tenho. Por tantas vezes a vida me parece gritar pedindo que eu espere. Que eu espere, porque já vem. Mas não consigo.

Escrever é meu respiro, é quando tomo o ar para novos vôos – por mais rápido que voe, o avião parece flutuar entre as nuvens, essa ilusão de tempo e de espaço que nos dá a dica: a vida é tal e qual.

A vida é provocação. Se um dia me grita que é curta, manda em seguida a mensagem de que é preciso saber esperar. Avança e recua, oferece e retira, para nos medir, não a força, mas a capacidade de brincar.

E como você ao repetir mil vezes um mecanismo novo que acaba de descobrir, o tempo oferece meditação. É assim o seu jogo, com enigmas que mais rápido nos devoram se os tentamos engolir.

Não importa o quão irritante isso tudo me pareça. Nada vai mudar o fato de que não se toca o tempo com a mão. Não posso empurrá-lo ou puxá-lo, ele não vai nem vem, não pode que lhe sejam.

Admito, tenho pressa. Mas é pressa de chegar em casa e finalmente descansar. Pressa de ter calma. Pressa e sempre inimiga. É que nessa correria feia, por mais vezes me perco no caminho, sem conseguir chegar.

Em minha tentativa de lhe apresentar a serenidade, descubro que você é que veio me ensinar. O tempo, em seu ritmo criança, nos faz todo dia o mesmo convite a viver delicadas repetições e, assim, sorver a essência sutil do que não é feito.

Espero que eu, sempre tão rápida, não aprenda tarde demais.

(escrito para o Francisco em janeiro de 2009, mas, como a vida vai em ciclos, igualmente adequado para o dia de hoje)

13 comentários:

  1. Gostei muito do texto.

    A vida segue as escolhas que fazemos e, às vezes, nos parece empurrar com mãos invisíveis aos caminhos que cegamente, em algumas ocasiões, tomamos. Mas, no fim e no fundo, tudo se agita e se ajusta.

    Abs

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  2. A vida e suas promessas. Você sempre me emociona- Emoção é sim, simplicidade.

    Obrigada por esses momentos.

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  3. por isso que falam que ser mãe é padecer no paraíso.
    isso tudo que você escreveu é lindo, e confesso que vou roubar.
    texto maravilhoso.

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  4. Sem palavras - só para você saber.

    Inté

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  5. Quanta delicadeza e profundidade, obrigada por compartilhar. Adoro o que vc escreve.

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  6. que bonito...feliz de sentir essa pausa nescessaria que descreves. a morte interrompe fluxos, e ao mesmo tempo prepara e fortealece pros novos presentes da vida, pra novas descobertas e conquistas. mortes e vidas diárias. olhos fatigados em um momento, luminosos em outro. vida e morte a todo momento...os olhos.. a vida..nada e tudo termina aqui

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  7. "A vida lhe pediu um dia em sonho que reiventasse seu amor e sua dor, passado e futuro. Imagine que podes trazer qualidades novas para seu present, ela me disse. Experimentei poesia pelas paredes, manjericão na janela, pés descalços na areia quente, brisa na memória. Vendi a tv. Morei alguns dias juntos às árvores do jardim, mergulhei tão fundo no mar para quase não voltar, cultivei simplicidade para te olhar e poder rever o que imaginei dos dias e havia enterrado naquele quintal sem canção. Solidão tournou-se solitude, abracei algumas idéias e fiz delas minhas amigas. Reiventei dias quando pensava que já não poderia e ganhei olho novo bordado de amor. " um beijo, cris.

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  8. Que bonito isso, Carol. Nossa. É seu? Ou é de algum escritor e a minha ignorância não alcançou?

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  9. oi cris, muito obrigada! teu elogio me encheu de alegria pois admiro muito a teu olhar... escrevi esses dias e quando vi seu post, achei que ressoava... por isso te mandei. :)

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  10. ESTE É UM COMENTÁRIO AO "PARA FRANCISCO", REFERENTE AO POST "COMO RESISTIR A ESSA FRANCESQUICE?"

    Chris, um segredo:não penso em ter filhos.
    Quando vejo a cumplicidade e seu olhar sorrindo quando o assunto é FILHO, meu coração amolece e eu me pergunto: Pq não?!
    Vc tem o poder de me sensibilizar e me abre portas para novas idéias.
    Bjs afetuosos.
    luciana Leão

    pS. POR LÁ NÃO CONSIGO POSTAR VISTO QUE NAO HÁ A OPÇÃO ANOMNIMOS. OBRIGADA.

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  11. Deixei uma Tag pra você no meu blog, passa por lá!

    http://anestesiandoamente.blogspot.com/2011/06/tag-coisas-que-amo.html

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  12. é, eles nos ensinam, nos ensinam que o tempo constrói e apaga tudo. tudo de novo sempre... eles nos ensinam que não adianta ter pressa, eles nos ensinam quando vemos neles os reflexos de nosso erros e aí desejamos infinitamente mudar.
    Belo texto, como todos os outros.

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  13. Cris, Temos muitas coisas em comum, e nesse texto isso fica tão claro! O tempo todo parece que sou escrevendo... Também sufoco com minha pressa, e meu grande desafio é aprender a ter um ritmo mais tranquilo... Lindo!!! Obrigada pela sua escrita. Me emocionei.

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